A líder do PCdoB na Câmara, deputada Perpétua Almeida (AC), concedeu entrevista ao Fórum Mar & Defesa, onde falou sobre as demandas, desafios e obstáculos da Defesa Nacional. Durante a entrevista, a deputada falou sobre a importância da defesa para a soberania de um país, defendeu mais investimentos para o setor e criticiou a postura subserviente do governo Bolsonaro.

A entrevista faz parte de um ciclo de debates realizado pelo Fórum Brasileiro de Assuntos Marítmos e de Defesa, que tem como objetivo levar à sociedade a discussão sobre a importância da Defesa Nacional para o país.

Para Perpétua, que já presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (Credn), esse é um debate essencial, pois "um país que não prima por sua defesa é um país subjugado".

A parlamentar lembrou ainda que a defesa de um país, sob responsabilidade das Forças Armadas, é assunto de Estado, não de governo, e, portanto, não pode ser politizada.

"As Forças Armadas servem ao Estado, não a governos. E aqui lembro de uma frase do general [Eduardo] Villas Bôas, onde ele diz que 'quando a política entra nos quartéis por uma porta, por outra está saindo a hierarquia, a obediência'. Isso pra mim é muito forte e é algo que a gente precisa olhar, sobretudo nesse momento", destacou, parafraseando o ex-general do Exército.

Para ela, a insistência de Bolsonaro em "trazer para o colo" as Forças Armadas é preocupante. "Muito me preocupa quando o presidente Bolsonaro, com a lambança que ele costuma fazer, insiste em trazer para o seu colo as Forças Armadas. Isso é ruim para as instituições. Pois elas são instituições de Estado", reforçou. "Relembro a fala do general Villas Bôas e tenho medo de que esse comportamento de Bolsonaro respingue nas instituições", completou ao responder uma pergunta sobre como a sociedade percebe as Forças Armadas no país.

Para evitar esse uso político, a líder do PCdoB apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tem por objetivo resguardar a autonomia das Forças Armadas como instituições permanentes do Estado e não de governos.

A proposta acrescenta ao artigo 37 da Constituição Federal o inciso XXIII, vedando aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública, nos três níveis de governo: União, estados e municípios. De acordo com o texto, para exercer cargos de natureza civil, o militar com menos de dez anos de serviço deverá se afastar da atividade. Aqueles que contarem mais de dez anos de serviço deverão passar para a reserva.

Orçamento

Em julho, o Ministério da Defesa anunciou o envio de uma proposta ao Congresso para destinação de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para as Forças Armadas. Atualmente, o investimento gira em torno de 1,3% a 1,4%. A proposta, no entanto, foi alvo de críticas.

Apesar de defender maior investimento para a área, a parlamentar lembrou da dificuldade de tratar do assunto no momento em que o país contabiliza mais de 90 mil mortos pela Covid-19 e possui 12,9% da sua população desempregada.

"Eu sou favorável a um orçamento maior das Forças Armadas, pois entendo que elas têm um papel fundamental para a soberania do país. Mas é difícil falar disso nesse momento, onde temos mais de 90 mil mortos pela Covid-19, mais de 20 milhões de desempregados, 700 mil pequenas empresas com até 49 empregados fecharam as portas e na área da Defesa tem muitas pequenas empresas nesse perfil. Precisamos preparar o país e a economia para chegarmos a 2% do PIB para a Defesa Nacional", ponderou Perpétua.

No entanto, lembrou a líder do PCdoB, que é preciso previsibilidade para o desenvolvimento do setor. "Você não desenvolve essa área se não tem recursos", destacou.

Para ela, além da luta por um maior orçamento para a área, é fundamental que haja um melhor planjeamento dos projetos de Defesa. "Quem sustenta a indústria de Defesa são as aquisições nacionais e não se faz isso se você não tem dinheiro em pesquisa. Quando estava na Seprode [Secretaria de Produtos de Defesa, do Ministério da Defesa], a gente concluiu uma parceria para estudar financiamento dessa indústria. Mas depois não avançou. Não existe nenhum projeto que aguente sem previsibilidade. Sem saber se terá recurso, como você leva um projeto adiante? Mas, na minha opinião, era preciso organizar melhor os projetos estratégicos de Defesa. Dessa forma, a gente aproveita melhor os recursos. Se a gente não resolver essa prioridade, a gente vai ter sempre a preocupação, por exemplo, se quando terminar um protótipo ele estará obsoleto ou não", afirmou.

Política externa x soberania

A deputada criticou ainda a política externa adotada pelo governo Bolsonaro. "O Brasil precisa saber se comportar. Quais os interesses com os EUA, quais os interesses com a China? Não é uma relação de amizade. Vai muito da inteligência de quem está no comando. Não quero me preocupar em defendnr os interesses dos EUA ou da China. Acho que o Brasil tem se envolvido em conflitos desnecessários por estar do lado de A ou B. Isso é muito ruim", destacou ao pontuar a subserviência do Brasil diante dos norte-americanos, pondo, muitas vezes, em risco as relações comerciais entre o Brasil e a China.

Perpétua ressaltou ainda que soberania "é termos capacidade de cuidar e desenvolver o país de forma livre". "Se a gente achar que tem que estar submetido à vontade de A ou B, aí é falsa soberania. Eu acredito que as Forças Armadas têm condições de fazer a defesa nacional, mas isso depende muito de quem está no comando do país e do Itamaraty", disse.

Segundo a parlamentar, o Brasil já viveu "momentos melhores" em relação à sua diplomacia, mas afirmou que o país tem sorte de ter uma "diplomacia militar muito boa em embaixadas e países". "Pois se depender do comando do Itamaraty… É uma vergonha para um país do tamanho do Brasil, o nível de subserviência e esse nível de confrontos ideológicos dentro dessa instituição. Diria que nossos diplomatas estão muito envergonhados com o comportamento do Brasil e em ver como outros países estão nos vendo."

Para ela, o comando de Ernesto Araújo à frente do Ministério das Relações Exteriores, endossado pelo presidente do país, traz graves riscos à soberania. "Um exemplo foi quando daquela possível invasão da Venezuela pelos EUA. Naquela época eu disse: 'Como o nosso Itamaraty se permite trazer um conflito na biqueira da nossa fronteira?'. Não podemos aceitar que o Brasil seja parte de um processo que vai trazer problema para a nossa fronteira. Esse formato, essa política, que só olha para a questão ideológica, coloca, sim, em risco nossa soberania", destacou Perpétua.

Armamento nuclear

Durante a entrevista, Perpétua também falou armamento nuclear e o tratado de não proliferação de armas nucleares – acordo firmado entre os países para limitar o armamento nuclear. Atualmente, o tratado, assinado pelo Brasil na gestão FHC, conta com a adesão de 189 países, sendo que cinco reconhecem ser detentores de armas nucleares: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China.

Para Perpétua, o Brasil precisava retomar essa discussão. No entanto, a parlamentar acredita que o governo Bolsonaro e o Itamaraty não o fariam de forma adequada.

"Alguns querem ter seu armamento nuclear e não quer deixar que outros os tenha, como os EUA, por exemplo. Eu acredito que o Brasil deva abrir esse debate, mas não vejo que Bolsonaro e o Itamaraty tenham capacidade de chamar esse debate. Acho que eles o fariam de forma equivocada. Mas em algum momento o Brasil precisa retomar essa discussão", afirmou.

Armas x segurança pública

A deputada aproveitou a entrevista para criticar a política armamentista de Jair Bolsonaro. Uma das promessas de campanha do atual presidente era flexibilizar o porte de armas para a população. Para Perpétua Almeida, a política de Bolsonaro é um perigo.

"Sempre me posicionei contrária à forma de segurança nacional que Bolsonaro prega. Quando a gente discute segurança pública não significa dar armas à população. Aliás, é um perigo Bolsonaro dar armas à população e cancelar portarias do Exército sobre monitoramento de armas e munições, por exemplo. O tratamento de Bolsonaro nesse assunto é  irresponável. Segurança pública não é isso", disse.

Em abril, a líder do PCdoB apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para revogar a determinação de Bolsonaro que impedia maior controle sobre rastreamento, importação e identificação de armas de fogo pelo Comando Logístico (Colog) do Exército.

Para ela, a interferência de Bolsonaro, além de beneficiar milícias pelo abrandamento das fiscalizações, é inconstitucional. A interferência de Bolsonaro no Exército também é alvo do Ministério Público Federal, que vê indícios de violação da Constituição no ato do presidente. O desdobramento do caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou à abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal.

Confira a íntegra da entrevista: