Nesses tempos de fake news e tentativas constantes de fragilizar a democracia por meio de ataques às instituições é preciso recuperar fatos e conceitos. O Brasil vive um momento sem paralelo onde se misturam quatro crises: a sanitária, a social, a econômica e a política.

Nas três primeiras, um governo responsável pelo agravamento na medida em que, pela omissão, negação da ciência, desprezo pelo povo e subserviência ao capital financeiro, foi inoperante e incapaz em seu combate. Na última, a política, opera um governo ativo, proclamador de ataques, incentivador de disseminação de mentiras e de manifestações antidemocráticas e contra artigos fundamentais da Constituição brasileira.

Durante tempo demais, o tecido social vem sendo esgarçado e a democracia atacada.

Chegamos ao cenário macabro de mais de 585 mil mortos, 14,8 milhões de desempregados e um aumento exponencial do custo de vida. Um país em transe, onde uma minoria com cerca de 20% da população continua apoiando um presidente submerso em escândalos de corrupção, à espera de um golpe anunciado.

Este mesmo país que não foi capaz de frear o golpe contra uma presidenta legitimamente eleita e que não cometeu qualquer crime, assiste a um chefe de Estado cometer sucessivos e comprovados crimes de responsabilidade. Um país que aceitou uma condenação sem crime, agora aceita crimes sem condenação. É preciso dar um basta enquanto há Brasil a recuperar. Quanto mais tempo Bolsonaro permanece no poder, mais danos irrecuperáveis se dão.

Na França, diante do enfraquecimento das instituições, o Parlamento recebeu o alerta de golpe, um aviso fúnebre, mas o ignorou. “Changarnier repassou aos líderes do Partido da Ordem a nota de falecimento, mas quem acredita que picada de percevejo mata?”, questionou Marx. No Brasil, resguardadas as especificidades, pois não há como comparar os personagens citados nos dois períodos históricos, nossas instituições seguem abertas e funcionando, reagindo às picadas, mas precisa fazer mais, muito mais!

Não podemos tratar o percevejo como inimigo menor. Não podemos conviver com ele em nossas casas, sob o risco de não conseguirmos mais dormir. Sem controle, se proliferaram e ainda causam enormes prejuízos.

Nem rato, nem leão e nem boi. Bolsonaro é um percevejo cuja picada está pouco a pouco corroendo o país através da corrupção, da fome, do desemprego, das mortes e de reformas absolutamente antagônicas às necessidades dos brasileiros e brasileiras. Somente reações firmes e altivas do Parlamento, do Judiciário e, principalmente, populares poderão salvar nosso país de sofrer de males irreversíveis, vítima desse animal minúsculo e medíocre.

Os setores que apoiaram um impeachment sem crime não podem mais fechar os olhos. Há diante de nós um país em frangalhos, um povo passando fome, sem perspectiva de emprego e renda, sem esperança no futuro, porque não há futuro promissor com este presidente. Suas prioridades estão claras, salvar a si e aos seus. Distribuir benesses a quem enriquece com a desgraça alheia. Asfixiar o Estado e todas as políticas sociais. Destruir direitos.

O dia 7 de setembro de 2021, como tenho dito, aproximava Bolsonaro de sua cartada final. E assim ocorreu e é assim que devemos encarar. Na falta de força para virar o jogo, com crescente isolamento, recorreu ao inimaginável e expressou numa carta que não escreveu, mas assinou, uma falsa elegância para parecer um chefe de Estado, um falso respeito aos outros poderes, à democracia e à Constituição, que rasga todos os dias.

Não precisa ser muito sagaz para perceber o significado de seu comportamento. Não à toa, Celso de Mello compara a “Declaração à Nação” de Bolsonaro ao pacto de Munique de Hitler. Uma farsa, em razão da “personalidade autocrática” de um presidente que insiste em ultrajar a Carta Magna.

Está na hora de Bolsonaro e sua família pagarem pelos crimes cometidos. Passou da hora de impedirmos o desmonte de nosso país. Para crimes comuns, a justiça deve agir. Para crimes de responsabilidade, é papel do Poder Legislativo abrir um processo de impeachment imediatamente, para analisar e julgar. Dúvidas sobre seu cometimento não existem mais. Agora é coragem para enfrentá-los e, assim, cumprir com sua obrigação perante a sociedade.

Nunca foi tão necessário concretizar a tão falada FRENTE AMPLA, nas ruas e no Parlamento. A oposição a este governo é de milhões, e assim deve se manifestar diretamente e por sua representação, sem protagonismos e disputas. A agenda deve ser tão somente a defesa da democracia, da Constituição, da vida e dos direitos do povo, que precisa de vacina no braço e de comida no prato. Não estamos em ano eleitoral.

Voltemos a Marx: “Os homens fazem sua própria História, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” A nota de falecimento está dada. É hora de fazer a própria História e dela ter orgulho.

Assim seja!

*Jandira Feghali é deputada federal do PCdoB-RJ. Artigo originalmente publicado na revista CartaCapital