A cultura do estupro é uma triste e dura realidade que se faz presente em todos os ambientes de convívio social. Seja em casa, nas ruas ou no trabalho, mulheres são submetidas diariamente a imposições machistas de uma sociedade retrógrada, que normaliza práticas e atitudes de cunho preconceituoso com o gênero. Prova disto é um parlamentar se achar no direito de incitar um estupro contra uma colega, em plena sessão na Câmara dos Deputados.

No final de 2014, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) subiu à tribuna da Casa e afirmou que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não merece”. Como se fosse um prêmio. Ou como se alguém o merecesse. Não contente, reafirmou o que que havia dito em suas redes sociais e, durante uma entrevista à imprensa gaúcha, repetiu que “ela não merece ser estuprada porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero”.

À época, a parlamentar apresentou queixa-crime contra o deputado, e dias depois a Procuradoria Geral da República (PGR) denunciou Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação ao crime de estupro. O STF analisou a denúncia e tornou o agressor réu. Nesta terça-feira (15), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, sua condenação por danos morais. Ele deverá indenizar a parlamentar por danos morais em R$10 mil e se retratar publicamente em jornais e redes sociais.

Em entrevista à imprensa, a parlamentar comemorou a decisão e agradeceu o apoio à causa que não é só dela, mas de todas. “Aqui representamos milhões de mulheres e meninas. Queremos mostrar que ninguém pode humilhar qualquer ser humano, destruí-lo moralmente ou incitar o ódio contra ele. Bolsonaro já recorreu duas vezes, e essa é a nossa terceira vitória. O que me importa aqui não é valor que ele precisa pagar, mas sim que ele nunca mais possa dizer isso para nenhuma mulher”, disse Rosário.

A primeira pessoa a votar na sessão do STJ foi a relatora do caso, Nancy Andrighi. Ela fez um voto direto e incisivo, e foi acompanhada pelos demais colegas. No tribunal, estiveram presentes diversas parlamentares em solidariedade à Maria do Rosário. Entre elas, as comunistas Jandira Feghali (RJ) e Jô Moraes (MG).

“É uma vitória, sobretudo, do combate à cultura do estupro. Ao votar, o STJ se pronunciou tecnicamente de forma correta, mas também deu uma resposta filosófica: a defesa das mulheres contra a violência é parte integrante da defesa humana e da justiça”, apontou Jô.

Em tempos de combate à violência, mais do que com a justiça, que às vezes falha, é preciso praticar a sororidade. “Mexeu com uma, mexeu com todas. Essa decisão nos dá muita força e reflete a coragem de uma mulher e uma ação que protege as brasileiras. A imunidade parlamentar não pode ser justificativa para apologia ao crime. Não seremos passivas de atitudes discriminativas ou criminosas”, esclareceu Jandira Feghali.