Não faltou praticamente ninguém. Com transmissão simultânea em 94 páginas do Facebook e mais de quatro horas de duração, o 3º Ato em Defesa da Democracia, da Vida e Proteção Social reuniu mais de 120 personalidades representativas da sociedade brasileira em repúdio à escalada autoritária do governo Jair Bolsonaro.

Promovido na noite de sexta-feira (26) pelo movimento “Direitos Já!”, o encontro foi – conforme sintetizou o deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA) – “uma passarela na qual desfila a democracia”. Havia gente de partidos e dos movimentos sociais, da universidade e da ciência, dos meios jurídicos e jornalísticos, da cultura e do esporte. “Hoje é uma noite histórica da democracia brasileira”, saudou, no início do ato, o sociólogo Fernando Guimarães, coordenador do “Direitos Já!”.

Como num comício eletrônico, os participantes bradaram “Fora Bolsonaro”, “Estamos Juntos”, “Somos 70%” e “Direitos Já”. Mas, sem partidarismo ou disputa de protagonismos, o “maior evento digital em favor dos valores democráticos na história do Brasil” foi também um ato em defesa do resgate da política como instrumento maior para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Nomes sem qualquer vínculo com governos, mandatos ou partidos – como o jornalista Reinaldo Azevedo, a cineasta Petra Costa e a roteirista Carolina Kotscho – levantaram essa bandeira. Petra foi além. Evocando o ensaio Como as Democracias Morrem, dos cientistas políticos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, a diretora apontou os partidos como os “principais guardiões da democracia”, à frente de instituições como a imprensa e a sociedade civil.

“É preciso ter saídas no plano da política”, enfatizou Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco e presidenta nacional do PCdoB. Mesmo lembrando que “o Brasil vive uma confluência de múltiplas crises” e que o ideário bolsonarista é um estorvo para a Nação”, Luciana manifestou esperança. Citou até versos da Canción por la Unidad de Latino America, parceria do cubano Pablo Milanés e do brasileiro Chico Buarque: “A História é um carro alegre / Cheio de um povo contente / Que atropela indiferente / Todo aquele que a negue”.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que, se ainda puder usar sua voz aos 89 anos da idade, que seja para falar “viva a liberdade, viva a democracia”. De acordo com a ex-ministra Marina Silva (Rede), “é fundamental compreender o que está em jogo. Nós estamos sofrendo muitos ataques”. Para Ciro Gomes (PDT), as diferenças entre as mais diversas lideranças políticas devem ficar em segundo plano, em nome da unidade democrática.

Nessa frente ampla, segundo o governador Flávio Dino (PCdoB-MA), “a convergência, a união, o desejo de paz e justiça se fazem tão nítidos”. Mas o enfrentamento aos desmandos bolsonaristas tem de avançar cada vez mais. “Precisamos garantir que o sistema constitucional possa ser cumprido em todas as instituições. Notadamente os Poderes Judiciário e Legislativo devem funcionar livremente, para conter apetites ditatoriais e despóticos, venham de onde vierem”, analisou Dino.

O golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e as condenações injustas sofridas pelo ex-presidente Lula foram mencionados. O jornalista Juca Kfouri deixou claro que os atentados à democracia se iniciaram no processo que culminou no golpe de 2016. “Da mesma forma que impeachment sem crime é golpe, crime sem impeachment é omissão”, endossou Guilherme Boulos (PSOL). Para Fernando Haddad (PT), Lula merece ter seus direitos políticos recuperados – e isso também é parte, a seu ver, da luta pelo fortalecimento da democracia.

Muitos – e por diversas razões – sustentaram que o governo Bolsonaro precisa chegar ao fim. “Não cabe esse projeto fascista que está no comando hoje da República brasileira. Não é possível faze o Brasil avançar com Bolsonaro”, afirmou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Esse homem comete o maior crime que um governante pode cometer: pôr em risco a vida e saúde de seu próprio povo. Isso é inaceitável em qualquer democracia constitucional”, declarou o jurista Pedro Serrano.

Houve denúncias à a gestão criminosa da crise do coronavírus pelo governo Bolsonaro. Segundo o médico e escritor Drauzio Varella, “o presidente fez de tudo para convencer a população a quebrar o isolamento, andar sem máscara e formar aglomeração nas ruas. O que nós ganhamos com essa ignorância? 55 mil mortes”. O também médico Adriano Massuda, ex-secretário de Saúde de Curitiba (PR), acrescentou que “lamentavelmente mais de 10% das mortes (por Covid-19 no mundo) ocorreram no Brasil”.

O apresentador Luciano Huck elogiou as manifestações anti-Bolsonaro que partiram de “novos atores, novas vozes no debate público”, como a cantora Anitta, o youtuber Felipe Neto e o também apresentador Marcos Mion. Mas as adesões podem crescer – tanto que o cantor Leoni conclamou os representantes da cultura a se organizarem “contra a postura violentamente colonialista e preconceituosa do atual governo”.

Os líderes estudantis recordaram o legado de suas entidades. “Eu sou presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, essa entidade que, em toda a sua história, luta em defesa da democracia”, disse Rozana Barroso, da Ubes. Iago Montavão, que preside da UNE, recitou uma poesia de Honestino Guimarães, o mais célebre dos estudantes que “desapareceram” sob a ditadura militar (1964-1985).

A frente ampla, pela democracia e contra Bolsonaro ganhou impulso depois deste protesto histórico – e o próximo capítulo já está marcado. Fernando Guimarães, do “Direitos Já!”, anunciou que o 4º Ato em Defesa da Democracia, da Vida e Proteção Social está previsto para 15 de setembro, Dia Internacional da Democracia.

O objetivo dos organizadores é que, além de figuras notórias da sociedade civil brasileira, o novo encontro reúna também personalidades internacionais. Se a pandemia estiver sob controle até lá, a manifestação deve passar das redes às ruas. Mas, seja qual for o palco, é certo que a luta em defesa da democracia crescerá ainda mais.

*Prtal Vermelho