O plenário aprovou na madrugada desta quinta-feira (4) o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição 23/21 (PEC dos Precatórios), que limita o valor de despesas anuais com precatórios, corrige seus valores exclusivamente pela Taxa Selic e muda a forma de calcular o teto de gastos.

Com um placar apertado de 312 votos, apenas quatro a mais que os 308 votos necessários, o texto do relator Hugo Motta (Republicanos-PB) autoriza o governo Jair Bolsonaro a promover um calote na ordem de R$ 95 bilhões nos precatórios (dívidas do governo com sentença judicial definitiva) e no teto de gastos.

Ao encaminhar o voto contrário da Bancada, o líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), denunciou que a proposta do governo "é a 'PEC do Calote', a PEC que desrespeita os professores, a PEC que desrespeita as sentenças judiciais já inscritas em precatórios".

O parlamentar rebateu o argumento usado pelo governo de que a PEC 23 é para fazer caixa a fim de pagar o chamado “Auxilio Brasil”. "Precisamos enfrentar a questão do auxílio para proteger as famílias mais pobres, como fizemos com o Auxílio Emergencial, que o governo queria que fosse de apenas 200 reais e nós fizemos com que fosse de 600 reais. É o que nós vamos fazer agora, porque 400 reais é muito pouco, não dá para nada, porque um botijão de gás já custa mais de 100 reais", disse.

Renildo advertiu que a proposta do governo foi apresentada apenas com objetivos eleitorais. "Na verdade, o governo cria uma espécie de 'vale voto". É isso o que a PEC está criando: um 'vale voto'! E é por isso que [o Auxilio Brasil] tem um prazo definido: até depois da eleição", frisou.

Texto

A estimativa do governo é que a PEC abra um espaço no Orçamento de 2022 de R$ 91,6 bilhões, dos quais R$ 44,6 bilhões são decorrentes do limite a ser estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo federal (precatórios) e R$ 47 bilhões gerados pela mudança no fator de correção do teto de gastos.

De acordo com o texto aprovado, os precatórios para o pagamento de dívidas da União relativas ao antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) deverão ser pagos com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes. Mas tem uma fila a ser respeitada. Essa prioridade não valerá contra os pagamentos para idosos, pessoas com deficiência e portadores de doença grave.

A estimativa é que a dívida da União com o Fundef para o ano que vem gira em torno de R$ 16 bilhões.

Segundo a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), mexer com precatórios supostamente para fazer um programa de renda "é mentir para a população". "Collor fez o confisco da poupança, definiu a baixa poupança e fez a divisão do resto. E Bolsonaro agora também faz a mesma coisa com os precatórios, que na verdade são dívidas da Fazenda Pública, que abrangem não somente professores e servidores públicos, mas pensionistas, aposentados, trabalhadores em geral", pontuou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também considerou "um falso debate" a argumentação da base governista acerca do financiamento do chamado “Auxilio Brasil”.

"Aqui a preocupação central não é com população vulnerável, não é com Auxílio Brasil, não é com nada disso. Se o governo, de fato, quisesse fazer Auxílio Brasil, faria uma medida provisória, porque aumentaria o valor por medida provisória e nem precisaria esclarecer a fonte. Isso não é verdadeiro. Isso é mentiroso. Essa PEC não precisava existir! Esse dinheiro não é para pagar a população vulnerável e ainda acaba com o Bolsa Família", assinalou.

Quórum

Ao longo do dia, a base governista teve de enfrentar a dificuldade de alcançar um quórum alto para a análise da matéria. Um ato da Mesa Diretora – que foi alvo de protestos da oposição – permitiu a votação pelo sistema remoto a deputados em missão oficial, que participam da COP26 em Glasgow, na Escócia.

Para a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a mudança "é muito grave para a democracia" e uma forma de "ajudar o governo Bolsonaro".

"O correto seria ele [o presidente da Câmara, Arthur Lira] buscar aprovar nas regras que estão valendo. Mas não, ele submete a Casa a uma humilhação. Em nenhum momento o presidente pensou nos deputados licenciados por motivo de saúde ou licença maternidade. Quem está no exterior pode votar, quem está no seu Estado não?", observou.

Em uma rede social, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) protestou contra outro atropelo regimental patrocinado por Lira, que viabilizou a apresentação de emenda aglutinativa para alterar a forma de pagamento dos precatórios do Fundef. Ele considerou gravíssima a decisão da Mesa, que chamou de "pedaladas legislativas".

"GRAVÍSSIMO !!! O deputado @alessandromolon faz uma denúncia estarrecedora: decisão da Mesa da Câmara que praticou pedaladas legislativas para viabilizar a votação do PEC do Calote sequer foi decidida pela maioria dos membros. É um tapetão jamais visto!", escreveu no Twitter.

Repercussão

Após votar em peso contra a PEC dos Precatórios, parlamentares da bancada comunista usaram as redes sociais para reforçar a luta contra o calote. O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) fez uma declaração de voto: "Votei contra a PEC 23. A PEC do calote na educação, que adia o pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022 e que acaba com o Bolsa Família".

O deputado Rubens Jr (PCdoB-MA) registrou que Bolsonaro cumpriu a promessa de acabar com o Bolsa Família. "E não se trata apenas de mudar o nome, mas desfigurar o maior programa de transferência condicionada de renda, q até o Banco Mundial quis estudar e exportar pra outros países", comentou.

"Quero saber como o tal Mercado vai reagir ao calote de 90 bi em precatórios e o furo no teto de gastos!!!! Quero saber o q STF vai declarar sobre o calote de 90 bi em suas decisões transitadas em julgado!!! Decisão judicial ou é cogente ou não o é. Presumo q inconstitucional", acrescentou Rubens Jr..

Tramitação

Os parlamentares ainda precisam votar os destaques que foram apresentados ao texto. A PEC também terá que ser apreciada em segundo turno antes de seguir para votação no Senado.