A reação aos ataques de Bolsonaro e sua claque à imprensa começa a ganhar corpo. Num ato virtual, nesta quarta-feira (3), entidades representativas do setor e parlamentares de diferentes partidos se uniram em defesa da liberdade de imprensa e da democracia no Brasil. No encontro, transmitido por mais de 70 páginas no Facebook, os participantes repudiaram as ofensas e agressões estimuladas pelo presidente da República e exaltaram a importância do papel de uma imprensa livre.

“Mais do que nunca é necessário a gente dizer que ninguém solta a mão de ninguém. Não há democracia sem liberdade de imprensa. Nenhum democrata pode se calar agora. O silêncio pode encurtar o caminho que Bolsonaro deseja: que é governar sozinho. Por isso, nos somamos a todos os democratas na defesa da liberdade de imprensa. Cala a boa nós não vamos aceitar mais. Se nos silenciarmos, a voz que será ouvida é a do fascismo. Somos mais de 70% da população que se levanta e se posiciona contra qualquer ditadura. Nos levantamos contra o monstro do fascismo”, destacou a líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC) durante o ato virtual.

O encontro reuniu lideranças da Câmara e do Senado, além de jornalistas e dirigentes de entidades como Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).  Entre os partidos representados estavam PCdoB, PT, PSol, PSB, PDT, Cidadania, PV e Rede, além dos líderes da Oposição e Minoria das duas Casas Legislativas.

Maria José Braga, presidente da Fenaj, trouxe os dados levantados pela federação para mostrar que a violência contra profissionais da imprensa aumentou na gestão Bolsonaro. De janeiro a abril de 2020, só o presidente da República foi responsável por 179 ataques. “Isso é muito grave”, destacou.

Segundo o mapeamento da, a violência contra jornalistas cresceu 54% no ano passado em comparação com 2018. Para Maria José Braga, a democracia brasileira “está fragilizada” e “com fendas que precisam ser curadas muito rapidamente”.

“Há quebra do decoro, há um desrespeito à liturgia do cargo, desrespeito à imprensa que tem um papel fundamental de produzir e difundir informações aos cidadãos. É imprescindível que haja a defesa dessas instituições democráticas, e nesse contexto, da imprensa. Fico feliz de ver esse grupo tão diverso junto nessa luta conosco”, afirmou a presidente da Fenaj.

O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, também condenou as agressões aos profissionais de imprensa e afirmou que desde a redemocratização, a democracia nunca esteve sob tanto risco no Brasil.

“Tivemos muitos sinais recentes de degradação autoritária na democracia brasileira. O primeiro passo é sempre a perseguição aos jornalistas. Nos regimes autoritários pode até haver um simulacro de jornalismo, mas é impossível ter democracia sem imprensa livre. Bolsonaro se torna corresponsável pelo assédio e crimes que sofrem os jornalistas ao não se pronunciar e repudiar esse tipo de atitude. Todos os cidadãos devem se manifestar contra esse tipo de atitude”, afirmou.

Paulo Jerônimo, presidente da ABI, lembrou ainda que no dia 1º de junho foi celebrado o Dia da Imprensa, mas que não houve “muita coisa a ser comemorada na data”, visto que 60 jornalistas já morreram de coronavírus nesta “guerra sanitária tão mal-conduzida pelo governo federal”. Ele também defendeu o impeachment de Bolsonaro e afirmou que o presidente é “o maior obstáculo ao enfretamento da pandemia e não demonstra nenhuma capacidade de conduzir o país”.

Unidade na luta

A jornalista Cristina Serra, colunista da Folha de S.Paulo, jornal que virou alvo predileto de Bolsonaro, afirmou a importância da união na luta em defesa da democracia. “É muito importante vermos partidos de diferentes visões unidos na defesa da liberdade. A imprensa livre não sobrevive sem a democracia”, pontuou.

Ela lembrou o momento da promulgação da Constituição, em 1988, quando Ulysses Guimarães afirmou que tinha ódio e nojo da ditadura. Para a jornalista, “esse comando nos une e empurra nessa longa jornada” contra o autoritarismo.

“Naquele momento, eu entendi que viveria num país livre. Essa esperança não pode ser ameaçada. Naquele momento, achamos que estávamos com o dever cumprido, mas hoje vemos que, mais uma vez, precisamos empunhar a bandeira em defesa da democracia. E nessa luta, nós, jornalistas, temos lado, sim. Estamos do lado da defesa dos direitos humanos, da democracia, das instituições, a vida da população. Que possamos formar uma muralha em defesa desse bem maior, que é a democracia”, afirmou.

Imprensa livre, democracia forte

Os líderes que participaram do ato também reiteraram seu compromisso na luta em defesa da liberdade de imprensa e da democracia. O líder da Oposição na Câmara, deputado André Figueiredo (PDT-CE), afirmou que todas as agressões que temos visto “são reflexo de uma postura inconsequente e irresponsável do presidente da República” e ponderou que quem critica a imprensa "sempre vai se indignar com o antagonismo que está presente na diversidade de opiniões". “Seremos vozes incansáveis na defesa de uma imprensa livre e de um Brasil verdadeiramente democrático”, afirmou.

Em nome da bancada petista na Câmara, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) disse que o evento representava mais do que um ato de solidariedade à imprensa, mas também de protesto e denúncia.

O senador Weverton Rocha (PDT-MA) também fez uma defesa veemente da imprensa. "Calar a imprensa é calar a sociedade", disse.

Líder do PSB, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), reiterou que são “inaceitáveis” os assédios sofridos pelos profissionais de imprensa, a exposição de suas vidas privadas, as agressões físicas e verbais. “A liberdade de imprensa está para a democracia como o alimento está para o corpo. Nosso compromisso nessa luta”, disse.

Reação organizada

O ato foi o início de uma reação mais organizada contra os ataques feitos por Bolsonaro e seu governo. A líder do PSol, deputada Fernanda Melchionna (RS), afirmou ser preciso construir essa unidade para barrar o avanço do autoritarismo. “Nossa maioria precisa ser expressa de forma organizada. Juntos temos condições de mostrar que somos capazes”, disse.

O líder do Cidadania, deputado Arnaldo Jardim (SP), também defendeu a criação de uma rede para articular ações contra os ataques do governo. “Esse comportamento [de Bolsonaro] tem uma lógica. Ele opta por criar sistemáticas celeumas em vez de presidir. Acho que daqui poderia sair uma rede, um fórum permanente para ampliar e aglutinar outras lideranças e movimentar esse grupo e articular as ações. Criar essa rede é dar um salto em organização para multiplicarmos essas iniciativas em defesa da democracia”, afirmou.