Depois da queda de dois ministros da Saúde, o chefe interino da Pasta, general Eduardo Pazuello, cedeu às pressões de Bolsonaro e, nesta quarta-feira (20), um novo protocolo para uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos casos de coronavírus foi publicado pelo ministério. Agora, o medicamento – que não possui respaldo científico acerca de sua eficiência na cura da doença – poderá ser usado em pacientes desde o início dos sintomas. Até então, o uso da substância era recomendado apenas em doentes internados em estado grave.

O novo protocolo alerta para o risco de efeitos colaterais para o sistema cardíaco e recomenda que os médicos entreguem ao paciente um termo de consentimento para ser assinado antes da administração do tratamento.

Por sintomas leves, o ministério listou os sinais clássicos de infecção por Covid-19: febre, dor de cabeça e tosse. Ao sinal de falta de ar e outros sintomas graves, a recomendação é procurar um hospital, segundo o novo protocolo. De acordo com a nova recomendação, pacientes com sintomas leves devem tomar cloroquina por 14 dias, sendo que no primeiro dia de tratamento a dose deve ser o dobro dos dias sequentes.

O novo protocolo foi duramente criticado pelos deputados do PCdoB. Para a deputada Jandira Feghali (RJ), que é médica de formação, o governo nega a ciência e recomenda o uso de um medicamento que não possui qualquer eficácia comprovada e que pode ter efeitos colaterais gravíssimos.

“Qualquer recomendação, assinada por um presidente e um ministro interino que não são médicos, que vá contra as evidências científicas e coloque em risco a vida das pessoas será alvo de medidas judiciais de nossa parte”, avisou a parlamentar.

Farmacêutica, a deputada Alice Portugal (BA) também criticou a medida. Para ela, com quase 18 mil mortes decorrentes do novo coronavírus, Bolsonaro continua tratando a situação com irresponsabilidade. “Estamos vivendo um momento difícil, quase 18 mil mortes pelo coronavírus no país. E o que faz o presidente? Continua tratando a situação com irresponsabilidade, insistindo no uso de um medicamento que não têm comprovação científica de eficácia contra o vírus”, disse.

O deputado Orlando Silva (SP) também se manifestou sobre a liberação da cloroquina. Para ele, “Bolsonaro será diretamente responsável por cada morte que eventualmente ocorrer por efeitos colaterais dessa droga”. ”Deverá ser julgado e condenado por crimes contra a humanidade”, ressaltou.

A líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC), também criticou a mudança do protocolo. Para ele, esse "é um assunto de médicos" e jamais o presidente da República "poderia agir dessa forma", forçando o uso do medicamento sem embasamento científico.

Críticas na academia e no próprio ministério

O novo protocolo também é alvo de críticas entre as entidades médicas e mesmo dentro da Pasta. Pesquisadores da Academia Nacional de Medicina, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e de outras três entidades, por exemplo, já se posicionaram contra a nova regra.

"Não há evidências científicas favoráveis que sustentem o uso de CQ/HCQ [cloroquina/hidroxicloroquina] em qualquer dose ou estágio da covid-19, quer no nível individual, quer no de políticas públicas. Por outro lado, há estudos que demonstram que o uso de CQ/HCQ […] pode estar associado à maior frequência de eventos adversos graves e com maior letalidade", escrevem em nota.

A publicação do protocolo culminou com o pedido de demissão do secretário de Ciência e Tecnologia, o médico Antônio Carlos Campos de Carvalho, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nomeado há 15 dias para ocupar o lugar de Denizar Vianna, quadro técnico indicado pelo ex-ministro Mandetta. Carvalho se recusou a compactuar com o uso da cloroquina em estágios iniciais da doença.

Na terça-feira (19), Bolsonaro anunciou a mudança no protocolo durante uma live. Na ocasião, fez uma infeliz piada sobre o assunto: “quem é de direita toma cloroquina, e quem é de esquerda, tubaína”, disse no dia em que o país passou de mil mortes em um dia em decorrência do coronavírus.