Após quase seis horas de obstrução, a base governista aprovou, nesta quarta-feira (30), por 21 votos contra 13, o Projeto de Lei (PL) 3261/2019, que “atualiza” o marco regulatório do saneamento. O texto, agora, segue para análise no Plenário da Câmara.

Para o líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA), o Brasil corre risco com a aprovação desse projeto. “Água é vida. Não podemos vender água, não podemos transformar esse direito em mercadoria. Cabem parcerias com a iniciativa privada, mas a água deve ser uma política pública. É preciso elevar o debate para o patamar da compreensão que a população brasileira deve ter sobre o conceito de saneamento básico”, disse.

A votação foi precedida de forte obstrução de deputados de Oposição e do Centrão. Contrários ao texto relatado pelo deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), parlamentares criticaram a privatização dos serviços de água e esgoto no país.

Com o objetivo de impedir a entrega do setor à iniciativa privada, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) foi uma das parlamentares que teve importante papel na obstrução da votação do parecer. Apresentou requerimentos para que o painel de presença da comissão fosse zerado, leitura e retificação da ata, além de inúmeras questões de ordem questionando o andamento dos trabalhos.

“A forma de encaminhar ‘atropelativa’ não ajuda o processo de debate. A matéria já foi derrotada duas vezes no Parlamento. É uma matéria que coloca na mão do setor privado o gerenciamento das empresas que são responsáveis pelo abastecimento. Depois do golpe não tivemos investimentos substantivos no setor. Nenhuma empresa privada vai querer levar água para os rincões mais distantes”, afirmou a deputada.

Membro da comissão, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) também criticou a forma açodada com que o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), presidente do colegiado, conduziu a reunião. O parlamentar criticou ainda a postura do relator em relação aos apelos para mudança no texto. Os deputados pediam que Geninho Zuliani acrescentasse ao seu parecer trechos do voto em separado do deputado Fernando Monteiro (PP-PE).

“Geninho tem sido muito cortês nas conversas. Tem procurado observar muitas críticas feitas ao relatório, mas não tem sido generoso na inclusão de modificações no relatório. Não se pode fazer um diálogo de surdos”, alertou Silva.

Longe de ser o ideal, mas capaz de agregar aliados, o voto em separado de Fernando Monteiro, diferentemente do relatório de Zuliani, permite que novos contratos de programa sejam fechados entre municípios e empresas estaduais de saneamento. Este tem sido um dos principais pontos de crítica do debate.

Após forte embate, Zuliani leu uma complementação de voto, que foi seguida de novos tumultos. Oposicionistas ao texto queriam reabrir a discussão do texto, visto que o parecer havia sido alterado. O pleito, no entanto, foi negado pelo presidente da comissão, que ignorou horário de almoço e seguiu as votações de retirada de pauta para conseguir votar o parecer de Geninho.

Embates e suspensão

Se a obstrução não suspendeu os trabalhos da comissão, a aparição relâmpago do deputado Delegado Waldir (PSL-GO) conseguiu o feito. O parlamentar protagonizou uma discussão com a deputada Alice Portugal, após afirmar que estaria armado, causando grande agitação no plenário da comissão. A suspensão da comissão se deu ainda pós após embate do ex-líder do PSL com um manifestante presente à comissão. A pausa ocorreu por aproximadamente 15 minutos.

“O deputado Waldir está dizendo que está armado. Essa reunião corre risco de segurança”, disse Alice Portugal depois do bate-boca.

Esta não é a primeira vez que Waldir se vê no meio de uma confusão envolvendo o assunto. Em abril, quando era líder do PSL na Câmara, o deputado foi acusado de estar armado durante a sessão da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ). Na ocasião ele disse que estava apenas carregando o coldre de sua pistola.

Hoje, nos bastidores, enquanto se tentava acalmar os ânimos na comissão, deputados de Oposição tentavam negociar com Geninho uma nova mudança no relatório, o que não aconteceu.

Complementação de voto

Para a deputada Alice Portugal, a complementação de voto do relator “não atende às expectativas da maioria das entidades e dos municípios”. “Permanecem os vícios de constitucionalidade”, disse.

Geninho apresentou uma alteração de redação na complementação de voto. A modificação, no entanto, é apenas para deixar claro que o prazo de um ano dado após a sanção da nova lei é para prorrogação dos contratos de programa vigentes, e não formalização de novos. “Foi apenas um acerto de redação”, disse Geninho.

O deputado Orlando Silva reafirmou que a complementação não é suficiente para avançar na votação da matéria.

Segundo ele, “não se pode aprovar um marco regulatório de costas para o Brasil”. “Temos convicção de que o Brasil precisa ampliar o investimento em infraestrutura e saneamento. Mas temos que ter um marco regulatório consistente. Estamos aqui interessados em garantir água e saneamento para todo o povo. Queremos lhe dar a chance de ser justo com os municípios menores”, destacou.

Votação x Plenário

A votação foi comemorada pela base do governo. No entanto, no Plenário da Câmara o embate pode ser diferente.

“Espero que ainda haja esperança no Plenário. Essa não é uma questão partidária. Espero que no Plenário essa sensibilidade possa ser aguçada e derrubemos esse texto”, afirmou a deputada Alice Portugal.

O deputado Orlando Silva também acredita na derrota do texto no Plenário da Casa. "Infelizmente o relatório aprovado na Comissão aponta no caminho único da privatização, que tende a manter uma legião de excluídos desses direitos. Creio que derrotaremos o relatório no Plenário."

O líder do PCdoB reafirmou ainda o compromisso da legenda na luta contra a privatização do saneamento básico.

“Continuaremos na luta pela garantia de direitos para todos, de olho nas ações para diminuir a desigualdade. Infelizmente, esse é um projeto que aprofunda as desigualdades de nosso país. Não podemos permitir de forma alguma. Água é um direito de todos e deve ser garantido pelo Estado”, disse Daniel Almeida.