Ameaçada pela proposta de Reforma da Previdência (PEC 287/16) do governo de Michel Temer, a aposentadoria diferenciada para homens e mulheres existe desde a Constituição de 1967. Nasceu de intenso debate em torno da igualdade entre os gêneros no Brasil, que ganhou força na década de 20 do século passado, com a conquista do direito ao voto e maior participação na vida política.

Hoje, o texto constitucional reconhece o trabalho em jornadas que chegam a ser triplas para algumas mulheres. Além de encontrar um mercado de trabalho discriminatório, elas ainda exercem em seus lares as tarefas domésticas e cuidados com a família.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014, a média é de quase 22 horas semanais dedicadas ao trabalho sem remuneração, enquanto os homens ficam menos da metade deste tempo nessas atividades.

Apesar dos dados e das críticas, para o governo Temer é hora de acabar com a diferenciação de idade para a aposentadoria. Em audiência na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (8), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, voltou a afirmar que não há espaço para esta compensação. “O homem trabalhará até 71 anos se mulher parar aos 60”, disse Meirelles.

De acordo com a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), é preciso compreender que a igualdade de gênero não chegou ao mundo do trabalho e que por isso é necessário manter a diferenciação no sistema previdenciário. “Tornar igual o tempo de contribuição para a mulher e o homem aposentar é negar a função social da mulher. Esta proposta irá retirar cinco anos da vida das mulheres, tendo em vista que hoje nós nos aposentamos com 60 anos”, afirma a parlamentar.

Do total de mulheres ocupadas com 15 anos ou mais, em 2015, 40% estavam em atividades como o trabalho doméstico, funções não remuneradas, trabalhando por conta própria ou sem rendimentos, conforme dados da PNAD. O percentual para o mesmo período era de 32% para os homens.

Pelo regime atual, é necessário que os homens tenham 65 anos ou 60 anos no caso das mulheres e 15 anos de contribuição. A proposta de Reforma da Previdência quer impor a idade de 65 anos para todos e, no mínimo, 25 anos de contribuição. A aposentadoria por contribuição será extinta. O cálculo do governo desconsidera, inclusive, a idade legal para início de trabalho que é de 16 anos. Tudo isto para chegar aos 49 anos de contribuição que permitem a aposentadoria integral.

Na prática, tanto mulheres quanto homens, terão que permanecer dos 16 aos 65 anos trabalhando, sem nunca terem ficado desempregados ou desenvolvido qualquer atividade informal. O governo vem utilizando o argumento da igualdade de direitos, deixando o debate sobre equidade à margem.

Contra as tentativas de retirada dos direitos das mulheres, parlamentares e movimentos sociais realizaram manifestação na Câmara no Dia Internacional da Mulher (8). A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), única titular mulher na comissão especial que analisa a Reforma da Previdência, destacou que a democracia de fato será alcançada apenas com a superação da opressão de gênero.

“Nós já fomos tratadas como escravas em muitos momentos das nossas vidas, inclusive no lar e no trabalho rural. Este governo que violou a Constituição e se instalou no poder, quer devolver a gente (mulheres) para o passado”, denunciou Jandira.

As desigualdades de gênero no país ficam claras desde os primeiros dados oficiais coletados em 1872. Elas representavam 45,5% da força de trabalho e exerciam tarefas no campo, em serviços domésticos ou no serviço de costura por conta própria, revela estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2014.

Na atualidade, os números ainda são alarmantes e a realidade das mulheres estarrecedoras. Dados apontam que 7,4% delas vivem em extrema pobreza, 34% vivem na pobreza e 53% estão em situação de vulnerabilidade. 53,6% das famílias chefiadas por mulheres no Brasil têm à frente mulheres negras. Nada menos que 39,1% das mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguida pelos homens negros (31,6%), mulheres brancas (27,0%) e homens brancos (20,6%), segundo estudo do Ipea.

A reforma da Previdência está sendo analisada em comissão especial da Câmara dos Deputados.  O governo Michel Temer tem a expectativa de aprovação da medida até o final do primeiro semestre deste ano.