O Brasil que saiu das urnas no domingo (2), embora o processo eleitoral ainda não esteja concluído, não apresenta qualquer surpresa. Seu DNA é compatível com as forças políticas que há um mês promoveram o golpe parlamentar, conforme observou o próprio ministro Lewandowski: "foi um tropeço da democracia" — ou seja, um golpe.

Penso, a priori, que o grande vitorioso desse processo eleitoral não foi nenhum partido político ou candidato, mas sim a aversão geral pela política, expressa nas abstenções, nos votos em branco e nulos e nos candidatos que, cinicamente, se autoproclamaram "apolíticos". A somatória desse fenômeno alcançou um percentual significativo da população brasileira. Superou 30% no Rio de Janeiro e São Paulo. Fato inédito no Brasil.

Tal resultado nos leva a concluir que a velha tática da direita de depreciar a política e, sobretudo, as forças progressistas que se opõem ao sistema capitalista, tem dado resultado.

O xadrez é simples. Promovem uma ação de "desmoralização" dos partidos de esquerda, tentando passar a ideia de que são eles os responsáveis pela corrupção. E aproveitam-se de uma crise cíclica do capitalismo para tomar de assalto o governo que, aliás, não conquistaram nas últimas quatro eleições.

Vejam quão impressionante é a capacidade de manipulação. Distorcem a realidade a partir do momento em que terceirizam a responsabilidade de todas as mazelas econômicas e sociais e conseguem colocar no colo de quem sempre combateu esse sistema a responsabilidade e a culpa por tudo isso, quando são eles os verdadeiros responsáveis pela crise econômica e pela corrupção.

Por outro lado, temos que reconhecer que, além das limitações impostas às forças progressistas, houve também uma sequência de erros e equívocos, que carecem ainda de uma análise mais profunda.

Mas o Brasil real, fruto dessa reviravolta política e do avanço das forças antidemocráticas, conservadoras e neoliberais, só será sentido de fato pela população brasileira nos próximos meses, quando avançarem as reformas que, lamentavelmente, golpearão em cheio os avanços sociais, os direitos dos trabalhadores e o Estado enquanto estrutura que busca combater e enfrentar as desigualdades.

O que vivemos domingo foi somente o desfecho de uma etapa da longa luta pelos espaços de poder, cujo objetivo é a implementação de diferentes projetos de país.

A máscara dos que hoje comemoram não tardará a cair. Basta que avancem as reformas que pretendem implementar no país, cujas vítimas serão nossa gente e o próprio país enquanto nação democrata, soberana e justa com a maioria de sua gente.


*Vanessa Grazziotin é senadora pelo PCdoB do Amazonas.
**Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.