Mais um capítulo da história recente de violações dos direitos das populações tradicionais foi escrito na semana em que se comemoram os 27 anos da Constituição Cidadã. Cerca de 200 indígenas, quilombolas, pescadores e camponeses da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais estiveram na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (5) para uma audiência pública sobre a ação de milícias armadas contra povos indígenas, quilombolas e camponeses, mas acabaram sitiados na “Casa do Povo”, após ordem do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

A audiência virou vigília e mesclava denúncias com cantos rituais. A ideia do grupo era se reunir com Eduardo Cunha para barrar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo o processo de demarcação de terras indígenas. A possibilidade de aprovação desta PEC tem acirrado os conflitos fundiários, a exemplo do assassinato do guarani kaiowá Semião Vilhalva, em setembro, por fazendeiros em Mato Grosso do Sul. Leia também: Assassinato de indígena por latifundiários gera protesto 

“Uma propriedade vale mais que uma vida? No meu estado, um boi vale mais que a vida de um índio”, afirma Daniel Guarani Kaiowá, ao lembrar as mortes do Mato Grosso do Sul pela disputa por terra.

De acordo com dados da violência no campo sistematizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos 10 anos, povos indígenas e comunidades tradicionais enfrentaram 5.771 conflitos; 4.568 pessoas foram vítimas de violência; 1.064 sofreram ameaças de morte; 178 sofreram tentativas de assassinato e 98 foram assassinadas. Segundo relatório, só em 2014, morreram 36 pessoas vítimas de conflitos rurais – dois a mais que em 2013. Leia também o manifesto divulgado durante o protesto: Nós existimos e estamos em luta

Cunha, no entanto, não se rendeu à solicitação. Ao contrário. Mandou desligar o ar-condicionado e as luzes da sala ocupada, além de enviar policiais com o objetivo de pôr fim à vigília. Mas não houve sucesso.

Para o deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA), membro da comissão especial que analisa a PEC 215, a determinação de Cunha para acabar com a mobilização mostra de que lado o presidente está. “É uma mobilização justa. A PEC 215 é um atentado às comunidades indígenas, aos quilombolas e à preservação do meio ambiente. Mas Cunha tá com a cabeça muito mais na Suíça do que no Brasil e não é sensível às causas das minorias e de interesse da população”, critica.

Nesta quarta-feira (7), durante reunião da Comissão de Direitos Humanos, o vice-líder do governo na Casa, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), atentou para o papel dos parlamentares quando se trata do assunto. "Para purificar o ambiente aqui, seria necessário fazer mais ocupações por um tempo mais longo, para que nós pudéssemos, quem sabe, nos inspirar pelos povos tradicionais do Brasil. Os deputados e senadores precisam legislar, levando em conta não só os interesses dos povos tradicionais, mas o conjunto dos trabalhadores do Brasil".

*Com informações do Conselho Indigenista Missionário.